Crônica Haja luz... elétrica! - Por Adriano Nogueira
Data de Publicação: 10 de outubro de 2023 15:44:00 Apaga, acende, apaga, acende, vai e volta, desse jeito vai queimar meus aparelhos eletrônicos!
Frequentemente os rio-pardenses, de maneira forçada, jantam à luz de vela. Foto: Renaldo Carioca |
Crônica
Haja luz... elétrica!
Eu chorei. Chorei mesmo! Não foi bem por causa da dor do tapa que o médico deu na minha bunda, mas sim por abrir os olhos e enxergar tanta claridade. Era luz natural, lâmpadas acesas e luminosidade vinda das paredes brancas, disse Filomena com um tom de descontração.
Pompílio falou que, verdadeiramente, somos cegos na ausência da luz.
Sabino, de óculos, meio sério, argumentou que a luz foi a quarta coisa a existir. Deus fez o céu, a terra e era só trevas. Deus criou a luz, separando-a da escuridão. Foi mais além, complementando que o sol era o dia e as trevas chamou-a de noite.
Jucicleia recitou, fielmente, uma passagem da bíblia. “Um homem disse:
– Bom Mestre!
Jesus Cristo respondeu:
– Bom, só há um, que é Deus”.
O Todo-poderoso, na sua infinita bondade, vendo a negridão, criou a lua para clarear e orientar os seres humanos. De dia o sol brilha, de noite a lua reflete claridade conforme as suas fases.
Neste momento foram interrompidos pelo senhor Quincas que pediu para que se acomodassem nas cadeiras. A reunião tinha a finalidade de analisar os acontecimentos recentes como as oscilações, as quedas, os apagões e a falta de energia elétrica, que eram uma constante na pequena cidade. Verificar a realidade, encontrar soluções e cobrar dos responsáveis era o alvo dessa diretoria nesse fim de tarde.
Quincas lamentou que o diretor e responsável pela empresa não comparecera no recinto.
Em um breve discurso de entrada citou que o primeiro que descobriu, sem querer, o fogo, saiu correndo, em disparada, sem olhar para trás. “Que diabos é isso?” Quase queimou o mundo todo. Por muitos anos o fogo foi a única iluminação existente além do sol. Foi se aperfeiçoando. Adiante, vieram as tochas que eram usadas no interior das cavernas. Depois as lamparinas, com seus pavios acesos, rodeadas de pessoas, era a alegria do lugar. Ninguém importava que a fumaça pretejava o nariz, o local e, principalmente, o telhado. Num dia chuvoso, de tempestade, empinando uma pipa, Benjamim Franklim, na época fabricante e vendedor de velas, descobriu que havia energia elétrica nos raios. Thomas Alva Edison, quando menino vendia doces e jornais, mais à frente, inventou a lâmpada. Hoje, não seria ridículo dizer que a energia move o globo terrestre. Esse é um pequeno resumo da trajetória que nos propiciou um bem que é indispensável dentro de nossas casas, de nossos comércios, de nossas empresas, de nossa cidade. Existem várias formas e maneiras de criar energia. Inúmeras usinas fabricam este produto e abastecem, não só os centros urbanos, mas sim, o planeta.
O Bartolomeu, que é técnico na área, ergueu a mão e afirmou que o município tem um potencial enorme na questão de geração de energia, contudo, a deficiência está na gestão administrativa da empresa em realizar a distribuição.
Quincas agradeceu a contribuição do colega e continuou:
– Na atualidade, se ficarmos sem energia, a vida tornar-se-á um grande caos. Os problemas que estamos enfrentando em nossa localidade nos força a tomar uma atitude e essa assembleia é a primeira delas.
Andrei fica de pé, concorda com Bartolomeu e acrescenta que a cidade é riquíssima em água doce, com dezenas de rios e ribeirões. Gerando energia no município temos a Usina Assis Chateaubriand, que é a Usina do Mimoso; a Usina São Domingos; as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) Verde 4 e Verde 4A, ambas na região do Rio Verde; as PCHs do Rio Cervo e da Cachoeira Branca já possuem as licenças ambientais e realizaram audiências públicas; e ainda irão, futuramente, serem construídas, aguardando aprovação, as PCHs no Ribeirão das Botas e no rio que passa dentro da Fazenda Recreio.
Informação nova. O apresentador ficou estático, pensativo e deu sequência:
– Desta forma, entendemos que não deveria faltar energia elétrica. Quedas de energia são corriqueiras, apagões têm acontecido com frequência, uma hora falta energia em um bairro, em outro momento, acaba em outra vila, quando não isso não acontece na cidade por completa.
Acabou a luz aí? Estamos sem energia. Aqui também não tem. Meus Deus!
Que horas vai voltar? Vai descongelar meus produtos na geladeira!
Apaga, acende, apaga, acende, vai e volta, desse jeito vai queimar meus aparelhos eletrônicos!
Nem está chovendo ou será que o cachorro mijou no poste? Parece que um transformador estourou. Segundo a rádio boca a boca, um caminhão derrubou um poste.
Mãe, cadê o fósforo? Liga a lanterna do celular. Pega a vela minha filha, está na gaveta de cima da cômoda.
Misericórdia Pai! Ninguém merece um sol quente desse, num calor danado e ainda sem luz, sem poder ligar o ar-condicionado. Mosquitos e pernilongos deitam e rolam nesse escuro.
Chegando agora? Oba! A empresa teve que dispensar os funcionários. Sem energia não tem como trabalhar. Agora, quem não gostou, nem um pouquinho, foi o patrão. O patrão ficou “pê da vida”.
Me dê o repelente! Quem encontra o repelente nessa hora?
– Vó não deu para sacar o dinheiro no banco e nem fazer a comprinha no mercado.
– Por que meu neto?
– Não tem energia.
Tem internet? Lógico que não. Acabou a energia na cidade e a torre não tem como transmitir o sinal.
Não, não, sem internet de novo, não!
Chegando agora? Oba! A empresa dispensou todos nós. Sem energia não tem como trabalhar. Agora, o patrão foi quem não gostou, nem um pouquinho. Ficou “pê da vida”.
Dona Maria escutou os filhos menores chorarem desesperados em meio à escuridão e sai correndo, trombando nas coisas.
Quincas contou, ainda, que a dona Cleuza, sem wi-fi, mas com sinal da operadora, estava até entretida, criticando, desabafando contra a concessionária de energia e interagindo com internautas nas redes sociais quando acabou a bateria do telefone. “Quis morrer de raiva”.
Tem uma mulher, bem conhecida, que está preocupadíssima, com medo de ter ficado grávida. Antes de ontem, tinha transado com o amante e à noite, sem internet, sem televisão, sem entretenimento, o esposo a procurou e fez amor. Ela esqueceu de tomar a pílula anticoncepcional. Gravidez não planejada. Será que tem bebê a bordo e quem será o pai?
Quincas terminou a sua mensagem enfatizando que as reclamações são gritantes demais e a população se sente, totalmente, indignada.
Quintiliano pediu a palavra, e exaltado, comentou que parecia piada de mal gosto, pois o slogan é “a empresa está ligada na sua energia”, quando na verdade, sempre está sendo desligada a nossa energia.
Filomena interveio contando, que toda suada, mas bem animada e motivada com a compra do ar-condicionado, chamou o técnico que instalou o equipamento. Feliz entrou para o quarto, fechou a porta, a janela, ligou o aparelho. O ambiente começou a ficar fresquinho, gostoso, porém, subitamente, veio o apagão. Ela esperou um certo tempo. Nada de energia voltar. Ficou irada, furiosa. Um pesadelo. Dormiu sem estrear ou sentir o gostinho do sonho de consumo nesse dia quente de verão. Verão nada, estamos no início da primavera.
Joelmir, um ancião sexagenário, com sua experiência de vida não se sentia alterado ou inquieto. Com calma proferiu que tudo isso é normal. Das mãos do ser humano ocorrem falhas, resulta em erros. Temos que praticar, copiosamente, a paciência. Somente Deus pode criar algo que seja perfeito.
A única luz,
Que nunca se apaga,
É Cristo, o Jesus,
Crucificado no calvário,
Que lá no alto, morreu na cruz.
Houve um breve silêncio. Cabeças abaixaram-se. Contudo, rapidamente, os ânimos se agitaram novamente e a discussão avançou.
A coisa ficou feia quando o Cipriano gritou:
– É inadmissível! A concessionária tem que respeitar o cidadão, oferecer um excelente serviço. Não é de graça. Estamos pagando bem caro por esta energia e exigimos, no mínimo, a devolução de um produto de qualidade.
Quilhermina, dona de casa, trouxe à tona mais um problema:
– A nossa cidade é uma fartura. Falta luz e agora está faltando água também. Têm dias que passamos a manhã ou a tarde, inteiras, sem um pingo de água saindo das torneiras. É preciso, urgente, tomarmos providências.
Calma! A falta de água é assunto para ser deliberado em uma distinta ocasião.
Houveram mais algumas falas inflamadas. Por fim chegaram no consenso que os problemas e as falhas diagnosticadas foram.
Quincas, de posse novamente do microfone, vociferou:
– Quais as soluções nós, comunidade, iremos apontar para resolver essas questões?
Vários se manifestaram ao mesmo tempo.
Um de cada vez, por favor! Foi o que se ouviu por último, pois, neste exato momento, as luminárias piscaram, enfraqueceram e... apagaram de vez.
Sem acreditar, uma voz ecoou:
– Acabou a luz?
Alguém bradou alto:
– Sim, de novo.
Nervosismo, alteração de ânimo, decepção, descrença, eram os sentimentos “claros” neste instante.
Em meio à agitação, aguardaram. Tentaram entrar em contato com a empresa. Poucos minutos a concessionária de energia respondeu que já estavam trabalhando para reparar o apagão e pediram para aguardarem. A escureza permaneceu.
Bom... então, um a um, usando a claridade da tela do celular e os faróis dos carros, retornaram às suas casas.
Adriano Aparecido Nogueira
Ribas do Rio Pardo/MS, 10 de outubro de 2023.
Foto: Ribas Ordinário |