Após morte de professor, colegas pedem atenção à saúde mental
Data de Publicação: 23 de março de 2023 18:12:00 Docentes farão vigília nesta quinta-feira para cobrar melhorias nas perícias médicas e medidas urgentes
Professor foi encontrado morto e amigos suspeitam de suicídio motivado por negativa nas perícias do IMPCG (Foto: Arquvo pessoal) |
Por Natália Olliver | CAMPO GRANDE NEWS
Os professores da Reme (Rede Municipal de Educação) farão vigília nesta quinta-feira (23) em prol da preservação da vida de profissionais da educação. Os docentes alegam que estão sendo obrigados a retornarem às salas de aula doentes e que a perícia feita pelo IMPCG (Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande), atestando a condição física e psicológica dos professores, é falha. Eles pedem por direitos ao afastamento para tratamento médico e readaptação adequada. O ato será realizado às 17h30, em frente ao órgão, localizado na Travessa Rosa Pires, esquina com a Ernesto Geisel.
O movimento acontece após a morte do professor Tiago Bianchi Silva Araújo, 42 anos, encontrado morto na casa onde morava em Campo Grande, nesta segunda-feira (20). Conforme colegas, ele sofria de depressão, por isso havia pedido afastamento das funções. Já tinha passado por perícia mais de uma vez no IMPCG. Ainda de acordo com amigos, Thiago teria deixado uma carta em que citava a questão da perícia e o sofrimento acarretado pelas negativas. O motivo da morte teria sido suicídio.
Profissionais readaptados são aqueles que foram afastados das funções por motivos físicos, psicológicos ou emocionais que os impeçam de exercer as atividades que desempenhavam. Quem atesta a condição de retorno às salas ou permanência é o IMPCG.
O afastamento pode ser feito de maneira provisória ou definitiva. Os profissionais readaptados ainda trabalham nas escolas, mas fora das salas de aulas, exercendo funções administrativas ou outras tarefas pedagógicas nas escolas.
Invisibilidade - A professora, de 37 anos, que preferiu pelo anonimato, revelou que está como profissional da educação readaptada desde 2019, trabalha tanto na biblioteca quanto realiza outros serviços em uma escola da Capital.
“Faço tudo o que for necessário. Sou conhecida como ‘Pereirão’ da escola, por fazer de tudo, pintar, ajudar monitores, cozinheiras. Eu não falto, não pego afastamentos e, mesmo assim, ano passado esses médicos (peritos) mandaram eu me aposentar. Surtei”, disse.
De acordo com a professora, as doenças mentais são tratadas como ‘frescura’ pelos peritos do IMPCG. Ela revela que os médicos comentaram sobre as roupas e a aparência dela, invés de questionarem o estado psicológico. “Parece que se não falta um pedaço do seu corpo, você não é doente”.
A profissional da educação afirma que, além dos problemas citados, a perícia é falha. "De tempos em tempos a gente sofre por passar por esses peritos que nos 'entrevistam' por 2 ou 3 minutos e se julgam acima do que nossos laudos médicos atestam. Ao fazer isso, eles simplesmente avaliam que o profissional tem sim condições mentais para voltar a realizar suas atribuições que o MÉDICO atesta não ter”, afirma.
Outra docente de Educação Física de 41 anos, que também não quis ter o nome divulgado, atua como profissional readaptada provisória há 6 anos e explicou à reportagem a situação em que a categoria vive. Ela faz parte de um grupo composto por 46 professores, mas afirma que são 260 pessoas integrantes readaptadas.
Quem tem doenças psiquiátricas sofre cada vez que a perícia está próxima. A ansiedade aumenta e com seus agravantes de insônia, hipertensão, pensamentos depressivos, entre outros. Isso agrava ainda mais o estado crônico da pessoa doente. A forma que encontraram para "caçar" as fraudes está deixando os servidores readaptados, que são doentes funcionais, ainda mais doentes”.
Conforme ela, muitos profissionais não suportaram a pressão e preferiram voltar para a sala de aula mesmo doentes para não precisar passar por constrangimentos feitos pelos peritos, como falta de empatia e humanidade e até grosserias. Isso, de acordo com a docente, seria um risco tanto para os professores quanto para os alunos, já que a maioria dos readaptados sofre com doenças psiquiátricas.
"Houve um caso particular de uma professora que estava enlutada há 30 dias, o médico perguntou como ela está, ela diz que não está bem porque o marido faleceu, então o médico diz grosseiramente que ele não tem nada a ver com a vida particular”, relata.
Readaptados - O Estatuto Municipal do Servidor garante, pela Lei Municipal n. 190, que o profissional que estiver doente em afastamento médico por 24 meses será readaptado de função provisoriamente. Caso esteja readaptado provisório por 24 meses consecutivos ou não e de acordo com laudo médico, ele será readaptado definitivamente. A diferença é que os definitivos não precisam mais passar por perícia do IMPCG.
Entretanto, em 2018 professores readaptados nos últimos 5 anos foram convocados para verificação de suposta fraude. “A partir deste momento começaram a caça às bruxas”, disse uma das professoras.
De acordo com a professora de Educação Física, em 2021 a categoria que estava como readaptada definitiva e tinha migrado para o provisório ganhou uma ação judicial, em que o juiz determinou que voltassem a ser definitivas.
Na ação o juiz determinou ainda que a prefeitura voltasse a cumprir a Lei 190 do Estatuto do Servidor, a qual o readaptado provisório há mais de 2 anos passe a ser definitivo.
“Neste período teve professor que voltou para a sala de aula e outras até foram forçadas a aposentar. A prefeitura não está cumprindo esta determinação judicial de 2021”, diz.
Em 2022, a ACP (Sindicato Campo-grandense dos Profissionais da Educação Pública) entrou com o pedido judicial para que a prefeitura cumpra a Lei 190 e segue aguardando.
O presidente do Sindicato, professor Gilvano Bronzoni, ressaltou que a categoria do magistério está adoecendo e o atendimento conferido pela prefeitura, por meio da junta médica, é desumano e agrava ainda mais os quadros de sofrimento psicológico entre trabalhadores e trabalhadoras da educação, que se encontram doentes e têm seus direitos ao afastamento para tratamento médico e readaptação negados.
A ACP tem oferecido acompanhamento jurídico aos filiados e filiadas, bem como desenvolvido ações e campanhas pela valorização de educadores e educadoras.
A reportagem entrou contato com a assessoria da prefeitura, que responde pelo IMPCG, e até o momento não houve retorno. O espaço segue aberto.