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Série de erros do Estado, inclusive homofobia, colaboraram para assassinato de Sophia

Série de erros do Estado, inclusive homofobia, colaboraram para assassinato de Sophia

Para advogada, o Estado teve diversas chances de salvar a vida da menina, mas "ao se omitir também a assassinou"

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Série de erros do Estado, inclusive homofobia, colaboraram para assassinato de Sophia, diz advogada do pai - Reprodução/Instagram

 

A advogada Janice Andrade, que representa Jean Carlos Ocampo, pai da menina Sophia de Jesus Ocampo, de dois anos, que morreu por um traumatismo na coluna causada por agressão física, afirmou que o Estado e todas as instituições de proteção à criança são responsáveis pela morte da menina por terem cometido uma série de erros e omissões, incluindo a homofobia praticada contra o pai de Sophia, que é casado com outro homem. 

Em conversa com o Correio do Estado, a advogada relatou que os erros foram iniciados já na primeira vez em que o pai da menina compareceu ao Conselho Tutelar da Região Norte, onde Sophia morava com a mãe, Stephanie de Jesus da Silva, de 25 anos, e com o padrasto, Christian Leitheim, de 24 anos, e recebeu um atendimento negligente, sem atenção de qualquer profissional que pudesse resolver o caso da menina. 

Ainda segundo a advogada os erros continuaram quando o primeiro boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), que demorou 10 meses para marcar uma audiência do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), em que todos os envolvidos foram intimados para prestar esclarecimentos. 

A equipe da Depca também se negou a anexar ao boletim de ocorrência as fotos nas quais Sophia aparecia com diversos hematomas e arranhões, para os quais a mãe sempre tinha justificativas e dizia que a criança sofria quedas e acabava se machucando.

Além das imagens, o pai da menina também apresentou um áudio com a duração de uma hora e meia em que a avó materna relatava todas as agressões sofridas por sua neta, contudo, isto também não foi juntado ao boletim porque, de acordo com a advogada, a equipe da delegacia achou que não era uma prova confiável e que poderia ser manipulada. 

“Houve homofobia, velada, mas houve, e a omissão do Estado contribuiu para a morte de Sophia. O Igor [de Andrade - marido de Jean] sempre ia junto com ele e também queria relatar o que ele via, mas nunca pode entrar junto com Jean quando ele era chamado para ser atendido”, explicou a advogada. 

A defensora do casal ainda afirma que para as instituições públicas e sociedade no geral um casal hétero, independente do que fazem, sempre “tem uma defesa moral” porque dois homens não podem criar uma criança 

“Ninguém quer tirar a criança de uma casal hétero para entregar para dois homens criarem, já que as instituições, como o Conselho Tutelar, estão cheios de pessoas com religiões fundamentalistas”. 

Janice lembra que a omissão não foi apenas do Conselho Tutelar, da delegacia ou da Defensoria Pública, que pediu uma série de documentos e testemunhas que comprovassem que a criança precisava ser retirada do convívio da mãe. 

A advogada  aponta que todas as vezes que Sophia era violentada de forma brutal e que deixava danos mais graves como perna quebrada ou ferimentos na cabeça, a mãe a levava para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas a equipe médica nunca relatou os sinais de agressões que a criança apresentava. 

“As equipes que atendiam a Sophia não relataram os sinais de violência porque não queriam, já que muitas vezes as pessoas só querem fazer seu trabalho e não se envolverem, além disso a sociedade ainda vê a mãe como sagrada e acham válido agressão como forma de educar”, destacou. 

A advogada ainda lembra que em uma dessas idas da criança à UPA ela estava com a perna quebrada e Stephanie justificou, dizendo que a filha havia caído e a equipe médica confiou no relato da mãe. 

“Eles quebraram a perna da criança e contaram que ela tinha caído no banheiro e a equipe de saúde não fez nada, mesmo que tenham até assistente social para relatar esse tipo de caso”, afirmou. 

Ainda em conversa com o Correio do Estado, Janice disse que agora na fase de investigação da morte, o descaso da Secretaria Municipal de Saúde continua, já que quando foi solicitado o histórico de atendimento da criança, mas o único documento fornecido para o processo foi a relação de vacinas aplicadas na criança. 

Em relação à postura da delegada responsável pelo caso, a advogada afirma que continua sendo negligente, principalmente por afirmar que o pai de Sophia não queria que fosse expedida uma medida protetiva contra a mãe da criança. 

A advogada explica que Jean não foi informado dessa possibilidade, mas, de toda forma, o pai não poderia impedir que o documento fosse feito, já que a segurança da criança precisa ser colocada em primeiro lugar. 

Outra informação dada por parte da delegacia é de que o pai também não levou Sophia para fazer o exame de corpo de delito, mas a equipe da Polícia Civil sabia que a Stephanie escondia a criança do pai quando ela tinha marcas de violência 

“Eles tinham conhecimento de que eles não conseguiam ficar com a criança por muito tempo, mas poderiam usar o poder coercitivo para obrigar a mãe a apresentar a criança e realizar o exame e a polícia tem o dever de conceder as medidas protetivas e informar isso ao pai”, destacou Janice. 

A defensora ainda lembra que a Lei Henry Borel - criada após o menino que dá nome a lei ser morto aos quatro anos também por maus-tratos dentro de casa-, prevê que a criança precisa ser afastada de forma imediata da residência quando à qualquer suspeita de agressão

“A lei é cópia da Maria da Penha e afasta e depois investiga, mesmo que a coloque em custódia do Estado e, mesmo que não tivesse esta lei, ainda temos o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], então, a gente acaba presumindo que eles iam receber proteção”, afirma. 

A homofobia também era um dos motivos que levaram Stephanie e Christian a torturarem e agredirem Sophia, já que segundo a advogada, eles não gostavam de Jean por ele ser casado com outro homem e acabavam usando isso como pretexto para violentarem a criança. 

“O Estado teve chances de salvar a vida de Sophia. Foram três idas ao Conselho, duas na delegacia e duas na Defensoria, além da Sesau que poderia ter relatado as agressões. Foi uma cadeia que levou ao assassinato de Sophia.”, concluiu. 

A advogada ainda afirmou que irá ingressar com um recurso para que a mãe e o padrasto da menina respondem também por tortura. O casal está preso preventivamente e são acusados de maus-tratos e abuso sexual, já que feridas na região íntima da vítima apontou a prátrica de estupro. 

O Ministério Público solicitou que o material genético de Christian fosse coletado para que um laudo possa comprovar que foi ele o autor do abuso.

Por Ana Clara dos Santos/Correio do Estado 

 

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