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Artigo: Mas afinal, o vereador tem imunidade parlamentar?

Artigo: Mas afinal, o vereador tem imunidade parlamentar?

O vereador pode ser processado politicamente por ferir a honra da sua Câmara

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Por Natanael Fernandes Godoy Neto / 2019

Estamos acostumados a ouvir sobre as imunidades de parlamentares, sobre o chamado foro privilegiado, algo que alcança deputados e senadores, por exemplo.

Mas afinal, o vereador tem imunidade parlamentar?

A questão a ser respondida é comum aos vereadores e muito mais entre os membros da comunidade de um município.

Não raras as vezes que um vereador se pronuncia, emite uma opinião política, alguém da localidade (adversário político via de regra) já alardeia que irá processá-lo, pois se sentiu ofendido com tal pronunciamento. Daí já correm todos ao facebook para acompanhar a rinha, onde geralmente ela se desenvolve pelas torcidas de um e de outro, é a conduta atual nas pequenas cidades, infelizmente.

É que sabemos principalmente em municípios pequenos, que os adversários políticos se monitoram mutuamente, e o que é dito por um político automaticamente chega aos ouvidos do outro, daí a famosa frase dos políticos dita entre si: “vou te processar!”. E as ações judiciais surgem mesmo.

Respondendo, então, sobre a existência ou não de imunidade parlamentar ao vereador, também seu alcance, vamos à Constituição Federal de 1.988, também, ao Supremo Tribunal Federal – STF.

Diz a redação do Art. 29, inciso VIII, da CF/88, que “os vereadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município”.

Então, nossa Constituição Federal assegura uma garantia ao vereador, a imunidade parlamentar, conforme o artigo 29, VIII. Ora! a imunidade parlamentar do vereador existe.

Vamos entender essa garantia constitucional. A imunidade parlamentar do vereador é o direito de se expressar livremente, por suas opiniões, palavras e votos.

O vereador no exercício do mandato e na sua circunscrição não pode sofrer impedimentos à sua liberdade de verear e manifestar sua livre consciência política.

Percebe-se pela leitura da referido dispositivo constitucional que, a imunidade parlamentar do vereador sofre limitações, uma é geográfica, ou seja, a imunidade só existe na circunscrição do município.

Outra limitação decorre de que a imunidade só é reconhecida se o vereador estiver no exercício do mandato. Logo, se afastado por qualquer decisão política ou judicial, afastada estará a sua imunidade.

Assim, como regra geral, decorre da imunidade parlamentar do vereador que não será possível este responder cível e criminalmente por “crimes” oriundos de suas opiniões, palavras e votos enquanto no exercício do mandato e na circunscrição de seu município, ou melhor, poderá até ter que responder judicialmente, mas não poderá ser condenado.

Numa visão de maior amplitude, temos que a Constituição Federal quis garantir uma maior liberdade republicana de participação política aos que conquistarem mandato eletivo para as diversas Casas Legislativas no objetivo de propor a evolução social no seu mais amplo sentido.

Bom, sabemos agora que de fato e de direito existe a imunidade parlamentar do vereador. Mas qual é a sua amplitude? É uma imunidade absoluta?

O intérprete da Constituição Federal é o Supremo Tribunal Federal – STF, e o Art. 29, Inciso VIII, foi pela Corte Suprema interpretado quando da análise do RE 600063/SP.

O caso que suscitou manifestação do STF, o mais esclarecedor, é oriundo da cidade de Tremembé – SP, onde um vereador, na tribuna, em discurso, teria ofendido a honra de um ex-vereador daquela cidade.

O ofendido moveu ação judicial de indenização por danos morais contra o vereador, mas o juiz da comarca, o de primeira instância, deu ganho de causa ao vereador sob o manto da imunidade parlamentar constitucional.

A pessoa ofendida então recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo e conseguiu sucesso, pois no julgamento do recurso os desembargadores paulistas reconheceram que o discurso do vereador foi desonroso e como pena deveria indenizar o ofendido.

Mas como a matéria é constitucional, e para saber se a imunidade parlamentar do vereador existiria de fato e de direito, bem como, qual seria seu alcance, o vereador condenado recorreu ao intérprete da Constituição, ao STF.

E o STF se pronunciou. A imunidade parlamentar é um direito constitucional ao vereador, nos termos do Art. 29, Inciso VIII.

Também, se preocupou o STF em esclarecer o alcance dessa imunidade parlamentar.

E analisando a decisão do TJ-SP, que decidiu que o vereador exagerou em suas palavras, no seu voto se pronunciou o Min. Luiz Fux: “… a garantia da imunidade parlamentar representaria muito pouco se cada juiz pudesse aquilatar, segundo o seu padrão de decência e polidez, o grau de civilidade dos termos utilizados pelos representantes eleitos pelo povo”. (RE 600063/SP).

Ou seja, não é o judiciário quem vai decidir o que pode ou não um vereador falar quando no exercício de seu mandato, na sua circunscrição e na sua Casa Legislativa. Logo, não pode o vereador ser condenado judicialmente por suas palavras e opiniões, sejam elas do nível que forem, pois sob o manto da imunidade constitucional. E essa imunidade é absoluta quando o vereador está na tribuna da Câmara, por exemplo.

Mas não será absoluta, se numa situação de entrevista jornalística ou numa conversa fora da Câmara de Vereadores, passando então, a ser relativa e, neste caso, havendo a possibilidade de o vereador responder processo criminal e civil.

A imunidade parlamentar do vereador passa então a ser relativa quando este estiver fora do da Câmara, pois, ausente deste lugar, há que se sopesar suas atitudes, há que se verificar o nexo de suas atitudes em relação ao exercício de seu mandato no interesse político e público, seu e da sociedade.

Como exemplo da busca de nexo como acima mencionado, este pode não ser encontrado talvez numa discussão por conta de um acidente qualquer de trânsito que envolva um vereador. Obviamente a discussão não teria um caráter político.

Imaginemos um vereador envolvido num acidente de trânsito, onde ele profere xingamentos ao outro envolvido, claro que estará a proferir ofensas e certamente a imunidade parlamentar não o protegerá de eventual ação judicial advinda dessas ofensas, não encontraríamos nessa discussão a motivação política.

Mas, se numa discussão entre vereadores eventuais xingamentos ocorrer na Câmara, certamente o nexo político existirá, pois qualquer desavença verbal advirá dos interesses políticos de cada um dos envolvidos, e no ambiente próprio, haverá a rivalidade política presente, daí porque estaremos diante da imunidade parlamentar absoluta, e não cabe a ninguém do judiciário emitir juízo nesta situação, conforme o STF.

O Min. Luiz Fux nos ensina:

“Quando em causa dos atos praticados no recinto do Parlamento, a referida imunidade assume contornos absolutos, de modo que a manifestação assim proferida não é capaz de dar lugar a qualquer tipo de responsabilidade civil ou penal… De outro lado, quando manifestada a opinião em local distinto, o reconhecimento da imunidade se submete a uma condicionante qual seja: a presença de um nexo de causalidade entre o fato e o exercício da função parlamentar”. (RE 600093/SP)

Logo, é reconhecida a imunidade parlamentar ao vereador conforme disposta na nossa Constituição Federal. Ela é absoluta, vedando qualquer condenação em ação judicial, se por palavras, opiniões e votos no recinto do Parlamento, mas relativa se fora desse ambiente, onde ao judiciário caberá, se provocado, analisar o fato que deu causa ao possível crime e, se ele se deu em decorrência do exercício do mandato e na circunscrição do vereador. No primeiro caso, absoluta, não cabe mensuração do judiciário sobre a conduta do vereador, mas no segundo, relativa, é possível.

Mas o importante é que nossos representantes políticos saibam que a sociedade espera que este, quando eleito, exerça o mandato com polidez, com foco no desenvolvimento de sua comunidade, norteando sua conduta em princípios sociais como o da urbanidade. Daí porque se assim agirem, a garantia da imunidade se tornará desnecessária.

Então, os vereadores podem se distratar e se ofenderem em plenário ou fora dele, ofender qualquer do povo, pois tem imunidade parlamentar?

A imunidade de que tratamos acima é em razão do judiciário, é um mecanismo de defesa da liberdade de consciência política do detentor de mandato eletivo em relação a coerção que poderia sofrer por qualquer intento de um desafeto pessoal ou político que viesse a diminuir ou limitar o desempenho parlamentar usando mecanismos processuais judiciais. É uma proteção do vereador ao mundo externo da sua Casa Legislativa. É uma imunidade judicial.

Contudo, essa imunidade parlamentar não acoberta o mau comportamento do vereador em relação ao regramento da sua Casa Legislativa.

É que se por um lado o vereador não pode ser processado judicialmente por suas palavras e opiniões sobre o argumento de que feriu a honra pessoal de determinado indivíduo, por outro lado, pode ser processado politicamente por ferir a honra da sua Câmara de Vereadores, ou seja, o vereador pode ser processado por seus pares se por quebra do decoro de conduta que se exige no Parlamento, podendo ser punido nos termos do que prescrito no Regimento Interno da Câmara de Vereadores que integra.

Pode-se concluir que a imunidade parlamentar do vereador não existe em relação ao poder político da sua Casa Legislativa, ou seja, em questão interna corporis de regramento comportamental do indivíduo frente ao seus pares e ao seu parlamento, a garantia constitucional da imunidade não se aplica.

Deste modo, o mau comportamento do parlamentar como tratamos aqui, se espelhado naquele que geraria talvez um crime contra a honra de alguém, pode não ser aceito pelos membros do parlamento municipal e, estando em desacordo com o que se espera de urbanidade e polidez do parlamentar, pode ser um fato que dê início a um processo político para julgamento, resultando, inclusive, nas penalidades expostas pelo Regimento Interno da Casa Legislativa, que não raras vezes são notícias de cassação de mandato.

Vereador! Eduque-se e promova a educação. Certamente a imunidade parlamentar não precisará ser invocada, e o cidadão de sua comunidade lhe ajudará na construção de uma sociedade melhor.

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