Ex-delegado de Ribas chora morte de colegas e diz que só medo de ser preso explica execuções
Reginaldo Salomão, titular da Derf, fala sobre colegas que foram assassinados durante investigação a roubo de joalheria
No fim da tarde da última terça-feira (9), o delegado Reginaldo Salomão lembra-se de estar no corredor da Derf (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos) quando soube de ocorrência envolvendo dois policiais civis feridos durante escolta. Pensou em enviar duas viaturas em apoio ao local, mas, antes disso, encontrou colega chorando e soube da notícia. Dois companheiros de trabalho, Jorge da Silva Santos, 50 anos, e Antônio Marco Roque da Silva, 39 anos, haviam sido assassinados a tiros.
“Foi um pedaço da Derf que morreu”, disse o delegado. Acostumado a lidar com a rotina policial, que exige postura rígida no dia-a-dia, o delegado baixou a guarda e chorou a morte dos policiais, especialmente de Jorge, amigo de longa data. “Era como se fosse um irmão, vivia sorrindo, era brincalhão”. Por causa disso, os colegas chegaram a presenteá-lo com chapéu do Menino Maluquinho. Com Antônio Marcos, o convívio começou há dois anos. "Era um cara muito estudioso, acompanha decisões judiciais".
Para ele, a única explicação para as mortes é o medo. “Há pessoas que preferem morrer a serem presas, acho que foi o caso do Ozeias”.
O delegado referiu-se ao vigilante Ozeias Silveira de Morais, 45 anos, homem que estava sendo levado como testemunhas e atirou nos policiais quando o carro parou no semáforo na Rua Joaquim Murtinho, quase esquina com a Avenida Fernando Corrêa da Costa, no bairro Itanhangá Park. Naquele momento, começou a caçada que acabou durante a madrugada, com a morte de Ozeias.
Depois que soube da dinâmica das mortes, o delegado disse que fatalmente teria o mesmo destino. “Eu também seria morto se estivesse ali, porque não teria revistado o Ozeias”.
Hoje, por ser feriado, não tem expediente na Derf, mas Salomão foi à delegacia. Abatido e emocionado, falou sobre as mortes e, especialmente, de uma das vítimas. Jorginho, o “Baguncinha”, de quem era amigo há 11 anos, desde que trabalhavam na delegacia em Ribas do Rio Pardo.
No dia das mortes, não havia programação das equipes de investigação ir às ruas, pois tinham que finalizar relatórios. Mas Jorginho avisou que surgiu uma situação e pediu para averiguar, sendo autorizado pelo chefe. De acordo com Salomão, a informação sobre o roubo da joalheira da Avenida Calógeras surgiu quando os dois policiais estavam nessa outra diligência.
Os dois policiais tinham informação de que o tapeceiro William Dias Duarte Comerlato teria participação no roubo das joias, ao anunciar a venda das peças. O suspeito foi localizado no bairro Tiradentes e algemado, já que havia mandado de prisão expedido em 2018, referente à sentença condenatória por violência doméstica.
Segundo Salomão, o tapeceiro disse que anúncio foi feito a pedido de Ozeias, tio da atual esposa do suspeito. “É comum a pessoa imputar o crime a outras pessoas, o policial está acostumado a isso, é enxurrada de informação que precisam ser checadas”.
Os policiais foram até a casa de Ozeias e pediram que ele os acompanhasse até a delegacia para averiguação. O delegado disse que os policiais chegaram os dados do vigilante que não tinha passagem policial. Na condição de testemunha e sem qualquer impedimento jurídico, o homem não foi revistado ou algemado e entrou na viatura.
O que aconteceu dentro do carro, Salomão só soube com base o depoimento de William Comerlato, único sobrevivente. “Eu perguntei por que ele [Ozeias] atirou, me disse que não sabia, achava que ele estava com o demônio no corpo”.
Desde as mortes de Jorge e Antônio Marcos, vários integrantes da Polícia Civil levantaram voz contra a Lei de Abuso de Autoridade, tida como um inibidor das ações das forças de segurança. “Estes especialistas fizeram a lei no conforto do ar condicionado, em nenhum momento pensaram nos policiais que estão na rua”, avaliou, mas não especificou quais artigos são alvo da critica. “Tem pontos da lei que nós odiamos, mas cumprimos todos”.
Salomão reconhece que há “algumas operações desastradas”, como a que terminou com a morte do adolescente João Pedro, baleado no Complexo de favelas do Salgueiro, em operação conjunta das polícias Civil e Federal.
Especificamente sobre a revista, disse que não há hipótese de se fazer o procedimento em testemunha. Mesmo que Ozeias tivesse confessado participação no roubo, seria levado para interrogatório e liberado, já que não havia mandado de prisão. Por isso, também diz que teria morrido na situação.
Até agora, o delegado disse que não teve contato com a mulher de Jorginho. “Não tive coragem de olhar para ela ainda e falar que o marido dela morreu sob a minha chefia”. - CREDITO: CAMPO GRANDE NEWS